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domingo, 18 de abril de 2021

9ºANO: PORTUGUÊS 19/04/21

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VÍDEO: PERÍODOS LITERÁRIOS (TROVADORISMO E HUMANISMO)







VÍDEO: PERÍODOS LITERÁRIOS (TROVADORISMO E HUMANISMO) - PARTE 2



PRODUÇÃO TEXTUAL - OFICINA 5 - CRÔNICA (UMA PROSA BEM AFIADA)

PERÍODO LITERÁRIO: TROVADORISMO

trovadorismo é um movimento literário que esteve marcado pela produção de cantigas líricas (focadas em sentimentos e emoções) e satíricas (com críticas diretas ou indiretas).Considerado o primeiro movimento literário europeu, ele reuniu registros escritos da primeira época da literatura medieval entre os séculos XI e XIV.Esse movimento, que ocorreu somente na Europa, teve como principal característica a aproximação da música e da poesia.

Nessa época, as poesias eram feitas para serem cantadas ao som de instrumentos musicais. Geralmente, eram acompanhadas por flauta, viola, alaúde, e daí o nome “cantigas”.O autor das cantigas era chamado de “trovador”, enquanto o “jogral” as declamava e o “menestrel”, além de recitar também tocava os instrumentos. Por isso, o menestrel era considerado superior ao jogral por ter mais instrução e habilidade artística, pois sabia tocar e cantar.Todos os manuscritos das cantigas trovadorescas encontradas estão reunidas em documentos chamados de “cancioneiros”.

Em Portugal, esse movimento teve como marco inicial a Cantiga da Ribeirinha (ou Cantiga de Guarvaia), escrita pelo trovador Paio Soares de Taveirós, em 1189 ou 1198, pois não se sabe ao certo o ano em que ela foi produzida.Escrita em galego-português (língua que se falava na época), a Cantiga da Ribeirinha (ou Cantiga de Guarvaia) é o registro mais antigo que se tem da produção literária desse momento nas terras portuguesas.

 

Confira abaixo um trecho dessa cantiga:

 

No mundo non me sei parelha,
mentre me for' como me vai,
caja moiro por vós - e ai!
mia senhor branca e vermelha,
Queredes que vos retraia
quando vos eu vi em saia!
Mao dia me levantei,
que vos enton non vi fea!

 

Embora o trovadorismo tenha surgido na região da Provença (sul da França), ele se espalhou por outros países da Europa, pois os trovadores provençais eram considerados os melhores da época, e seu estilo foi imitado em toda a parte.O trovadorismo teve seu declínio no século XIV, quando começou outro movimento da segunda época medieval portuguesa: o humanismo.

 

Contexto histórico do Trovadorismo

O trovadorismo teve origem no continente europeu durante a Idade Média, um longo período da história que esteve marcado por uma sociedade religiosa. Nele, a Igreja Católica dominava inteiramente a Europa.Nesse contexto, o teocentrismo (Deus no centro do mundo) prevalecia, cujo homem ocupava um lugar secundário e estava à mercê dos valores cristãos.Dessa maneira, a igreja medieval era a instituição social mais importante e a maior representante da fé cristã. Ela que ditava os valores, influenciando diretamente no comportamento e no pensamento do homem. Assim, somente as pessoas da Igreja sabiam ler e tinham acesso à educação.

Nesse período, o feudalismo era o sistema econômico, político e social que vigorava. Baseado em feudos, grandes extensões de terras comandadas pelos nobres, a sociedade era rural e autossuficiente. Nele, o camponês vivia miseravelmente e a propriedade de terra dava liberdade e poder.

 

Principais características do Trovadorismo

·       União da música e da poesia;

·       Recitação de poemas com acompanhamento musical;

·       Produção de cantigas líricas (que evidencia os sentimentos, emoções e percepções do autor) e satíricas (que tem como objetivo criticar ou ridicularizar algo ou alguém);

·       Principais temas explorados: amor, sofrimento, amizade e críticas política e social.

 

Principais autores do trovadorismo em Portugal

O rei D. Dinis (1261-1325) foi um grande incentivador que prestigiou a produção poética em sua corte. Foi ele próprio um dos mais talentosos trovadores medievais com uma produção de 140 cantigas líricas e satíricas.

Além dele, outros trovadores que obtiverem grande destaque em Portugal foram:

·       Paio Soares de Taveirós

·       João Soares Paiva

·       João Garcia de Guilhade

·       Martim Codax

·       Aires Teles

 

As cantigas do Trovadorismo

Dependendo do tema, da estrutura, da linguagem e do eu lírico, as cantigas trovadorescas são classificadas em quatro tipos: cantigas de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer.

 

Cantigas de amor

Originárias da região de Provença, na França, apresenta uma expressão poética sutil e bem elaborada. Os sentimentos são expressos com mais profundidade, sendo que o tema mais frequente é o sofrimento amoroso.

 

“Cantiga da Ribeirinha” de Paio Soares de Taveirós

No mundo non me sei parelha,
mentre me for' como me vai,
caja moiro por vós - e ai!
mia senhor branca e vermelha,
Queredes que vos retraia
quando vos eu vi em saia!
Mao dia me levantei,
que vos enton non vi fea!

E, mia senhor, desaquelha
me foi a mí mui mal di'ai!,
E vós, filha de donPaai
Moniz, e ben vos semelha
d'haver eu por vós guarvaia,
pois eu, mia senhor, d'alfaia
nunca de vós houve nen hei
valíadũacorrea.

 

Tradução

No mundo ninguém se assemelha a mim
Enquanto a vida continuar como vai,
Porque morro por vós e - ai! -
Minha senhora alva e de pele rosadas,
Quereis que vos retrate
Quando eu vos vi sem manto.
Maldito seja o dia em que me levantei
E então não vos vi feia!

E minha senhora, desde aquele dia, ai!
Tudo me ocorreu muito mal!
E a vós, filha de Dom Paio
Moniz, parece-vos bem
Que me presenteeis com uma guarvaia,
Pois eu, minha senhora, como presente,
Nunca de vós recebera algo,
Mesmo que de ínfimo valor.

 

Cantigas de amigo

Originárias da Península Ibérica, as cantigas de amigo constituem a manifestação mais antiga e original do lirismo português.Nelas, o trovador procura traduzir os sentimentos femininos, falando como se fosse uma mulher. Nessa época, a palavra “amigo” significava “namorado” ou “amante”.

 

Cantiga “Ai Deus, se sab'ora meu amigo” de Martin Codax

Ai Deus, se sab'ora meu amigo
com'eusenheira estou em Vigo!
E vou namorada...

Ai Deus, se sab'ora meu amado
com'eu em Vigo senheiramanho!
E vou namorada...

Com'eusenheira estou em Vigo
e nulhasgardasnom hei comigo!
E vou namorada...

Com'eusenheira em Vigo manho
e nulhasgardas migo nom trago!
E vou namorada...

E nulhasgardasnom hei comigo,
ergas meus olhos que choram migo!
E vou namorada...

E nulhasgardas migo nom trago,
ergas meus olhos que choram ambos!
E vou namorada...

 

Cantigas de escárnio e cantigas de maldizer

Esses tipos de cantigas são satíricos e irreverentes, as quais reuniam versos que criticavam a sociedade, os costumes e ridicularizavam os defeitos humanos.

 

Cantiga de escárnio “A Dom Foamquer'eugram mal” de João Garcia de Guilhade

A Dom Foamquer'eugram mal
e quer'asamolhergram bem;
gramsazom há que m'est'avém
e nunca i já farei al;
ca, desquand'eusamolher vi,
se púdi, sempre a servi
e sempr'aele busquei mal.

Quero-me já maenfestar,
e pesará muit'[a] alguém,
mais, sequer que moira por en,
dizer quer'eu do mao mal
e bem da que mui bõa for,
qual nom há no mundo melhor,
quero-[o] já maenfestar.

De parecer e de falar
e de bõas manhas haver,
ela, nõn'a pode vencer
dona no mund', a meu cuidar;
ca ela fez Nostro Senhor
e el fez o Demo maior,
e o Demo o faz falar.

E pois ambos ataes som,
como eu tenho no coraçom,
os julg'Aquel que pod'e val.

 

PERÍODO LITERÁRIO: HUMANISMO

 

O Humanismo é um movimento literário de transição entre o Trovadorismo e o Classicismo que marcou o fim da Idade Média e início da Idade Moderna na Europa.Com foco na valorização do homem, ele se destacou com as produções em prosa (crônicas históricas e o teatro) e poética (poesia palaciana) durantes os séculos XV e XVI.

 

As principais características do humanismo nas artes e na filosofia são:

Antropocentrismo: conceito filosófico que ressalta a importância do homem como um ser agente dotado de inteligência e de capacidade crítica. Avesso ao teocentrismo (deus como centro do mundo), esse conceito permitiu descentralizar o conhecimento que antes era propriedade da Igreja.

Racionalismo: corrente filosófica associada à razão humana que foca na produção de conhecimentos sobre o ser humano e o mundo, contestando o espiritualismo.

Cientificismo: associado ao racionalismo, esse conceito coloca a ciência em um lugar de destaque. Através do método científico, ele fomenta as descobertas desse campo a fim de entender os fenômenos naturais.

Antiguidade clássica: os artistas humanistas foram inspirados pelos estudos realizados anteriormente por pensadores clássicos gregos e romanos, sobretudo pela literatura e mitologia greco-romana.

Valorização do homem: inspirado nos modelos clássicos greco-romanos, houve a valorização do corpo humano e das emoções do homem. Assim, as artes humanistas focavam nos detalhes que revelassem as expressões e desejos.

Ideal de beleza e perfeição: aliado ao conceito de valorização dos modelos clássicos, nesse período buscou-se atingir a perfeição das formas humanas por meio das proporções equilibradas e da beleza perfeita.

 

O Humanismo em Portugal

O marco inicial do humanismo literário português foi a nomeação de Fernão Lopes como cronista mor do reino, em 1434. Esse movimento vai até 1527 com a chegada do poeta Sá de Miranda da Itália, quando começa o Classicismo.O teatro popular, a poesia palaciana e a crônica histórica foram os gêneros mais explorados durante o período do humanismo em Portugal.Dentre os principais autores do humanismo português estão: Gil Vicente, Fernão Lopes e Garcia de Resende.

Gil Vicente (1465-1536) foi considerado o “pai do teatro português” e sua obra aborda temas religiosos e humanos. Apesar de possuir uma visão religiosa cristã e moralista, seus textos também apresentam críticas sociais.Esse autor escreveu diversas peças teatrais chamadas de Autos e Farsas. Os Autos focavam em temas humanos e divinos, e as Farsas estavam relacionadas com os costumes da sociedade portuguesa da época.

Dentre sua obra de dramaturgia, destacam-se:

·       Auto da Visitação (1502)

·       O Velho da Horta (1512)

·       Auto da Barca do Inferno (1516)

·       Farsa de Inês Pereira (1523)

Fernão Lopes (1390-1460) foi o maior representante da prosa historiográfica humanista, além de fundador da historiografia portuguesa.Antes dele, a historiografia de Portugal se resumia aos nobiliários, ou seja, os livros de linhagem que reuniam as árvores genealógicas dos nobres medievais.Assim, ele ampliou esse conceito ao escrever obras de grande valor artístico e histórico sobre a história dos reis de Portugal, das quais merecem destaque:

·       Crônica de El-Rei D. Pedro I

·       Crônica de El-Rei D. Fernando

·       Crônica de El-Rei D. João I

 

Trecho da crônica El-Rei D. Pedro I de Fernão Lopes

E porquanto el−rei Dom Pedro, cujo reinado se segue, usou da justiça, de que a Deus mais praz que cousa boa que o rei possa fazer, segundo os santos escrevem, e alguns desejam saber que virtude é esta, e pois é necessaria ao rei, se o é assim ao povo: vós, n'aquelle estilo que o simplesmente apanhámos, o podeis lêr por esta maneira.
Justiça é uma virtude, que é chamada toda virtude; assim que qualquer que é justo, este cumpre toda virtude; porque a justiça, assim como lei de Deus, defende que não forniques nem sejas gargantão, e isto guardando, se cumpre a virtude da castidade e da temperança, e assim podeis entender dos outros vicios e virtudes.
Esta virtude é mui necessaria ao rei, e isso mesmo aos seus sujeitos, porque, havendo no rei virtude de justiça, fará leis por que todos vivam direitamente e em paz, e os seus sujeitos sendo justos, cumprirão as leis que ellepuzer, e cumprindo−as não farão cousa injusta contra nenhum. E tal virtude, como esta, póde cada um ganhar por obra de bom entendimento, e ás vezes nascem alguns assim naturalmente a ella dispostos, que com grande zelo a executam, posto que a alguns vicios sejam inclinados.

 

EXERCÍCIO

 

·         Leia a cantiga abaixo e responda às questões 1 e 2.

 

CANTIGA

Engran coita, senhor,

que peior que mort`e,

vivo, per boa fé,

e polo voss`amor

esta coita sofr`eu

por vos, senhor, que eu

Vi polo meu gran mal,

e melhor mi sera

de morrer por vos já

e, pois meu Deus non val,

esta coita sofr`eu

por vos, senhor, que eu

(D. Dinis)

 

1. Sobre a cantiga acima, é correto o que se afirma em

A) É uma cantiga de escárnio, em que a figura da mulher amada é rejeitada e odiada.

B) É uma cantiga de amor, que revela o sofrimento do amante diante do amor impossível de sua amada.

C) É uma cantiga de amigo, em que a jovem lamenta a distância de seu amado.

D) É uma cantiga que expressa a realidade vivida no campo.

E) É uma cantiga de amigo, que expressa a dor da mulher amada diante da morte do amigo.

2. Sobre a poesia trovadoresca em Portugal, marque a opção que representa melhor as características da poesia dessa época

A) A língua portuguesa usada nas cantigas já era uma língua muito próxima daquela que usamos hoje.

B) As cantigas representam a vida no campo, sendo declamadas e cantadas em festivais populares em vilas e campos.

C) As primeiras cantigas que temos acesso, foram escritas em galego-português e surgiram como resultado da influência de um tipo de poesia existente desde o século anterior, na Provença, região sul da França.

D) São poesias que surgiram sem influência de nenhuma outra cultura, tendo aparecido dentro do território português de forma já completa e desenvolvida.

E) Os temas das cantigas são totalmente despregados da realidade do povo, mesmo da aristocracia. Não expressavam os valores da época e não mencionaram a figura do cavaleiro.

 

PRODUÇÃO TEXTUAL:Gênero Crônica.

 

Oficina 5:Uma prosa bem afiada

 

Etapa 1:Leitura da crônica “Um caso de burro” de Machado de Assis

Para saber mais

Joaquim Maria Machado de Assis

Rio de Janeiro (RJ), 21/6/1839 – Rio de Janeiro (RJ), 29/9/1908

Filho de um pintor de paredes mulato e de uma lavadeira, Joaquim Maria Machado de Assis nasceu pobre, no subúrbio carioca, e tornou-se o mais importante dos escritores brasileiros. Publicou poemas, crônicas, contos e romances em capítulos nos jornais para os quais trabalhou. A vivência nos jornais transformou o garoto de subúrbio num homem da cidade. O grande tema de toda a sua obra foi justamente a vida na cidade (no caso, o Rio de Janeiro, na época capital política e cultural do Brasil), as reflexões sobre seu dia a dia e sobre a alma de seus moradores. Um verdadeiro historiador do cotidiano! Todos os acontecimentos da cidade mereciam seus escritos: espetáculos artísticos, disputas políticas, fatos econômicos, relações afetivas, sociais – tudo era registrado por sua pena. Os acontecimentos em si, na verdade, não foram o cerne de seus textos. O que importava era a reflexão profunda que os acontecimentos suscitavam em Machado e o modo como ele conseguia passá-la para os leitores. As crônicas de Machado, escritas ao longo de quarenta anos, são sempre atuais. Muitas delas serviram como espaço de denúncia da escravidão e de outras graves questões da época. Embora os conteúdos políticos e sociais estivessem sempre presentes em seus escritos, Machado não lhes dava um tom trágico, como faziam muitos autores seus contemporâneos. Ele refletia sobre esses acontecimentos históricos e provocava os leitores com uma “arma” literária eficaz, que manejava muito bem: a ironia. Embora sua obra fosse reconhecida pelos jornais, editoras de livros e seu público, Machado não conseguia viver de seus escritos. Foi funcionário público, como muitos autores radicados no Rio de Janeiro daquela época. Como capital política do país num tempo em que muitos dos empregos públicos eram de natureza burocrática, de “meio expediente”, a estrutura do funcionalismo público permitia que os escritores ocupassem parte de seu tempo na produção literária. No caso de Machado, somente no fim da vida os recursos provenientes de sua obra tornaram-se suficientes para provê-lo.

Acesse o site http://www.machadodeassis.org.br e o vídeo para saber mais sobre o autor.

 

Etapa 2: O confronto título-texto

ATIVIDADE

Trabalhar com o título da crônica, como já vimos, ajuda-nos a criar bons títulos. É uma ótima forma também de motivar a audição da crônica.

  1. O que vocês acharam do título da crônica “Um caso de burro”?
  2. Responda:

        Esse título despertou a sua atenção? Por quê? O que ele sugere?

        Pelo título, deu para imaginar o assunto da crônica?

        Ele insinuou de que personagens a crônica iria tratar? Qual o cenário?

 

Etapa 3: O que Machado queria mesmo dizer?

ATIVIDADE

        O texto correspondeu às expectativas levantadas pelo título?

        Qual é o foco narrativo? O autor é personagem, usa a primeira pessoa ou não se envolve, apenas conta o que aconteceu com outros?

        Que ideias e emoções foram despertadas pela leitura?

        Para Machado, o burro é metáfora de quem ou de quê?

        Onde Machado emprega o recurso da prosopopeia?

 

Sobre “Um caso de burro”

Machado inicia o texto nomeando como crônica aquilo que escreve. Dirige-se explicitamente ao leitor, indicando que conversa com ele. Esse preâmbulo leva o leitor a se sentir considerado e, por isso mesmo, a aceitar o convite para ler a crônica.

Logo no parágrafo seguinte o autor conta quem é a personagem central, um burro como tantos outros. Apresenta também o conflito que move a narrativa: uma cena de quase morte. Mas observe como ele apresenta tudo isso: diz que ali não seria um lugar para descanso, indicando certa recriminação: “O que faz esse burro aqui?”. Ele, no entanto, não faz a recriminação explicitamente. A recriminação implícita introduz um tom levemente irônico ao texto.

“O burro não comeu do capim, nem bebeu da água; estava já para outros capins e outras águas, em campos mais largos e eternos.” Essa frase acentua o tom irônico do texto, jogando com a oposição entre elogio e recriminação. Precede o elogio com uma frase em que aparecem palavras recriminatórias: diz que o burro “não foi abandonado inteiramente”, isto é, foi abandonado, ainda que não de todo; emprega “alguma piedade” para dizer da quase ausência desse sentimento. Além desse jogo, usa eufemismos para falar da morte: “em campos largos e eternos”, reforçando o tom irônico.

O tom irônico continua quando aponta para aquilo que o menino faria, mas não fez (enquanto o cronista estava presente; nada garante que não tenha feito depois), e quando exagera o valor da descoberta: poucos minutos valeram uma, duas horas, um século! E, mais que isso, a experiência vivida foi exageradamente importante, o que vale como matéria de reflexão para os sábios! Como se vê, o exagero também é um recurso para a construção da ironia.

O burro é o símbolo da ignorância, daí o inédito (irônico) de estar meditando. Essa situação servirá para que o cronista/narrador faça uma reflexão. Começa comparando-se com Champollion (o sábio francês que decifrou a escrita egípcia), exagerando sua própria importância: decifrará os últimos pensamentos do burro – que só medita porque está morrendo, não o fazendo enquanto viveu. E quando usa o ditado popular “de pensar morreu um burro” leva o leitor a aproximar-se de certo tipo humano.

E para confirmar essa aproximação Machado prossegue a narrativa, dando voz ao próprio burro, que fala de si como se fosse homem. “Por mais que vasculhe a consciência, não acho pecado que mereça remorso…” A metáfora do burro vai se delineando: diz respeito a um tipo humano, que se ajusta, aceita o destino, pensa de maneira simplista e moralista.

Ao continuar a confissão, o animal prossegue indicando as ações que o aproximam de muitos humanos. A transposição de elementos da esfera do humano para a do animal irracional é um recurso de distanciamento usado pelo autor, que leva o leitor a perceber melhor a crítica feita ao tipo de humano que valoriza a submissão e a conformidade. A crítica do autor a esse tipo de vida se evidencia ainda mais na filosofia expressa pelo burro, a única que ele pode ensinar: a valorização do porte grave e do controle dos sentidos, ou seja, sua filosofia tem a profundidade das aparências.

Depois da confissão do burro, o cronista começa a se despedir do leitor. “Não percebi o resto, e fui andando…” Continua seu caminho, abandonando o bicho à sua sorte, mas ainda ironizando: diz-se triste ao ver morrer tão bom pensador, mas isso é um pretenso elogio, pois até então não fez mais que depreciar o modo de vida do animal. Nota-se o tom de lástima assumido pelo cronista quando considera que outros burros continuariam a viver.

Ao final do parágrafo, apresenta sua grande pergunta, aquela que foi delineada no início da crônica: por que não se investigar o moral do burro? Fica implícita uma exagerada e, por isso, falsa convocação: “Sábios, estudem o moral do bicho!”.

Na sexta-feira, ao passar pelo mesmo local, o cronista encontrou o animal já morto. A marcação do tempo cotidiano define o gênero da narrativa, a crônica. O narrador deixa claro que seu texto foi escrito com base na observação dos lugares que se percorre cotidianamente, os lugares familiares que se transformam conforme o momento: na quinta à tarde o burro agoniza; na sexta pela manhã está morto; na sexta à tarde, nem cadáver havia. Eis aqui o material da crônica.

O autor finaliza o texto retomando sua reflexão a respeito da natureza do animal: nem inventou a pólvora, nem seu sucedâneo mais terrível na época, a dinamite, e o despacha: que descanse em paz!

 

Continuando as atividades:

Leiam silenciosamente o texto, com os seguintes objetivos:

        Identificar o assunto da crônica e suas personagens;

        O conflito da narrativa;

        As situações em que o narrador acentua o tom irônico;

        O desfecho.

 

Curiosidades:

Essa crônica, hoje, faz parte do livro Obras completas de Machado de Assis (Rio de Janeiro: Nova Aguilar, v. 4), mas foi originalmente escrita para ser publicada no jornal. Machado escrevia para leitores adultos, moradores de um Rio de Janeiro entre o final do Império e o início da República, em uma época de escassa democracia – a escravidão havia sido abolida recentemente – e em que a maioria da população era excluída de todos os direitos civis.

                Desafio:

Qual o sentido de palavras e expressões familiares aos leitores da época ou que estão em português de Portugal ou latim, como “passadiço”, “patuscos”; “qualquer que seja o regime, ronca o pau”, “requiescat in pace”. Por exemplo: “Aqueles garotos que esconderam os óculos da vovó gostam de fazer graça – são uns patuscos”.

 

Envie suas respostas para o e-mail do seu professor:

Francisco Cleciano: francisco.cleciano@educacao.fortaleza.ce.gov.br


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