Produção Textual: 4ª Oficina
Atividade: figuras de linguagem são recursos utilizados pelos autores para realçar uma ideia. Um bom cronista tem dois instrumentos básicos: o olhar e a linguagem. Com o olhar ele reconhece o acontecimento, o momento que merece ser preservado, o qual outros nem notam; com a linguagem, retrata a situação, e as figuras de linguagem o ajudam a fazer isso com sucesso.
FIGURAS
DE LINGUAGEM
Comparação: expressão de termo comparativo. Quase sempre acompanhada
da conjunção “como”.
Faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Manuel Bandeira
Metáfora: comparação
mental ou abreviada em que prevalece a relação de semelhança. Não aparece a
conjunção “como”.
Na sua mente povoa só maldade.
Meu coração é um balde despejado.
Catacrese: metáfora
que caiu no uso popular, corriqueira, muito comum.
As pernas da mesa estão bambas.
Quero morar no coração da cidade.
Metonímia: designação
de um pormenor pelo conjunto de que se quer falar.
Ler Clarice Lispector. (autor pela obra)
Comer o pão (por alimento) que o diabo
amassou (por sofrimento).
Personificação ou prosopopeia: atribuição de ações, qualidades ou sentimentos a seres
inanimados.
O tempo passou na janela e só Carolina não viu.
Chico Buarque de Holanda
Hipérbole: afirmação
exagerada.
Falei mil vezes para você!
Morri de estudar para o vestibular.
Sinestesia:
interpretação de planos sensoriais, mistura de sensações de sentidos
diferentes.
Como na metáfora, relaciona elementos de universos
diferentes.
Senti um cheiro doce no ar.
Antítese:
contraposição de uma palavra ou frase a outra de sentido oposto.
Toda guerra finaliza por onde
devia ter começado: a paz.
Vivo só na multidão.
Ironia: sugestão pela
entonação e pelo contexto de algo contrário ao que pensamos, geralmente
com intenção sarcástica.
A excelente D. Inácia era mestra na arte
de judiar de crianças.
Monteiro Lobato
Eufemismo: emprego de
termos considerados mais leves para suavizar uma expressão considerada cruel ou
ofensiva.
Foi para o céu, em vez de morreu.
Está forte, em vez de está gorda.
Leia a crônica abaixo:
A ocasião faz o escritor
O
novo normal
Antonio Prata
Primeira festa pós-quarentena. O anfitrião, ansioso, passa de roda em roda entretendo osconvidados. Ao lado da janela avista, sozinho, um desconhecido.
— Oi, tudo bem? Você é o...?
— Novo Normal.
— Não acredito! Você é o Novo Normal?!
— Eu mesmo.
— Rapaz! Você chegou, finalmente! Faz um ano que só falam de você! Ah, o Novo Normal vaiser assim, o Novo Normal vai ser assado! Posso te dar um abraço?O Novo Normal recua.
— Ah, claro! Contágio, né? Óbvio! Gente, gente! Vem cá! Esse aqui é o Novo Normal!
Uma meia dúzia se aproxima, uns estendem as mãos, outros já se espicham pra um beijo.
— Péra, pessoal, o Novo Normal é sem abraço, beijo ou aperto de mão, certo, Novo? Podechamar de Novo?
— Prefiro Novo Normal, pra não confundir com o partido.
Uma convidada o olha, curiosa.
— Não sei por que, mas confesso que eu te esperava baixo, gordinho e careca.
— Muita gente me imagina assim. Acho que é o nome, né? Novo Normal, muito “o”, lembraovo... Mas durante a quarentena o pessoal comeu muito, o Novo Normal é alto.
— Escuta, cê aceita uma bebida? Uma comida?
— Obrigado, eu engordei 7 kg durante a quarentena e bebi demais. Os hábitos do Novo Normalagora são comida saudável e zero álcool.
Uma convidada abandona, discretamente, a taça de vinho sobre uma mesa. Um convidadodispensa uma empada num vaso de pacová. Um outro puxa papo.
— Fala mais de você. O Novo Normal gosta de sair? De ir no cinema? No teatro? Em show?
— Não. Nada disso rola com o Novo Normal. Com a quarentena, as relações à distância seestabeleceram pra ficar.
Uma convidada, decepcionada, toma a dianteira:
— E aquela previsão de que o Carnaval pós-quarentena ia ser tão louco que faria Sodoma e
Gomorra ficarem parecendo Aparecida do Norte?
— Deu chabu. O Novo Normal é saudável, cauteloso, precavido. O carnaval pós pandemia serápelo Zoom. Quem quiser anotar aí, aliás: www.telecotech.ziriguizoom.med.
— Ponto med?!
— É. O Carnaval agora é organizado pelo Ministério da Saúde. E o Carnaval de rua, peloMinistério da Ciência e Tecnologia, porque é todo dentro do Minecraft.
— Quem é o figura?!
— Não tá reconhecendo? É o Velho Normal! Saindo daqui a gente vai pra um caraoquê naLiberdade e vamos terminar a noite comendo uma bisteca no Sujinho. Topa?
Quatro e meia da manhã, abraçados, todos sobem a Consolação pulando e cantando: “Ooooo!Velho Normal voltô ô ô! Velho Normal voltô ô ô! Velho Normal voltôôôôoooo!”.
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2020/06/o-novo-normal.shtml6
Sobre “O novo normal”
A crônica de Prata é marcada pelo humor, mas uma dose de humor que alcança a ironia. Diante da situação complexa e difícil que estamos enfrentando, o cronista escolheu o caminho do humor ácido. E é com um tom bastante irônico que ele comenta a chegada desse personagem que está no centro do texto como protagonista, o Novo Normal. Sem saber ao certo de quem se trata, Prata imagina uma festa onde o personagem vai sendo apresentado para as pessoas que estão ali. De forma ficcional, o cronista vai exercitando a reação das pessoas para esse personagem. Como tudo o que é novo, o Novo Normal causa estranhamento nos primeiros momentos da conversa, mas, com o passar das horas e a convivência com os outros convidados, torna-se uma figura enturmada. Ou seja, a figura que já se tornou natural, comum. E aí encontramos uma visão metafórica sobre a situação que estamos vivenciando desde março do ano de 2020.
A crônica está estruturada em diálogos, os quais, diferentemente de um texto corrido, nos contam uma história por meio de frases que os personagens trocam. É essa troca de falas que vai construindo a sequência dos episódios, até a hora do término da festa, em que todos, já superamigos, saem festejando e cantarolando por uma das principais ruas de São Paulo. Ao usar palavras comuns às conversas e leituras do dia a dia das pessoas, o texto tem fácil leitura e comunicação, o que nos mostra que o autor escolheu essa seleção de palavras para deixar o texto fácil de ser compreendido, num papo direto e reto com o maior número possível de leitores.
Acho que crônica é uma espécie de lupa que você coloca em um assunto. E qualquerassunto que você olhar com uma lupa é interessante.[...] consigo ir puxando esse fio para ver onde ele leva. A crônica é um exercício livre de escrita. Você não precisa de uma história. Uma das graças de escrever é ver onde aquilo vai dar. [...]
Muitas vezes também a crônica não nasce de algo vivido; às vezes eu crio uma situação, um encontro com uma pessoa, um vizinho. A crônica não é um relato fiel, a situação que eu estou dizendo que aconteceu, muitas vezes não aconteceu, é ficção.
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